A DISTINÇÃO ENTRE CONTRIBUINTES PARA PRESERVAR A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA EM TEMPOS DE CRISE

Objetivando atenuar uma das maiores crises já enfrentadas, inúmeras medidas fiscais estão sendo debatidas e especuladas, entretanto, pouco vem se falando a respeito das diferentes formas que a pandemia vem afetando o funcionamento das empresas.

A Constituição da República Federada em seu art. 145, parágrafo primeiro, estabelece que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e deverão atender a capacidade econômica do contribuinte, inferindo-se daí o princípio da Capacidade Contributiva. Esse princípio estabelece como parâmetro que a tributação deve estar entre o mínimo existencial e o confisco, isto é, atingindo o montante devido e proporcional de acordo com a respectiva manifestação de riqueza.

O princípio da progressividade, por meio do qual a alíquota aumenta na medida que a base de cálculo também aumenta, guarda relação direta com o princípio da capacidade contributiva, estando a serviço deste. A progressividade busca viabilizar uma tributação proporcional, de modo que o escalonamento nas faixas de tributação represente um sacrifício similar para todos os contribuintes, tendo o papel primordial de contrapor a regressividade.

A título de elucidação, impostos pessoais são relacionados a manifestação de riqueza do contribuinte. O Imposto de Renda é um imposto pessoal que tem como fato gerador o acréscimo patrimonial proveniente de renda ou proventos de qualquer natureza, nos termos do art. 43 do CTN e do art. 153, III, da CRFB.

Nessa toada, esclarecida a hipótese de incidência que determina abstratamente quando será devido o tributo, a obrigação tributária só existirá com a materialização do fato gerador (acréscimo patrimonial/manifestação de riqueza), o que notoriamente não vem ocorrendo com diversos contribuintes em meio a pandemia enfrentada.

Diante desse cenário, medidas fiscais como a instituição do empréstimo compulsório e do imposto de grandes fortunas vêm sendo reiteradamente especuladas. Assim, alguns desses projetos objetivam tributar empresas que auferiram determinado lucro no último exercício, bem como visam subsidiar os gastos públicos tributando quem possui determinado patrimônio. Entretanto, não parece adequado onerar empresas em razão de um fato gerador pretérito – por não se enquadrar nas exceções ao princípio da irretroatividade – bem como não parece justo tributar adicionalmente uma empresa somente pelo patrimônio construído ao longo do tempo com esforço e planejamento.

A ótica do debate deve voltar para a forma que a pandemia realmente vem impactando nas atividades de cada contribuinte. Torna-se incontroverso que o episódio extraordinário afetou boa parte das empresas, que já enfrentam inúmeras adversidades para sobreviver em meio a complexidade da carga tributária brasileira. Segundo informações, mais de 600 mil empresas fecharam as portas e mais de 9 milhões de pessoas foram demitidas em decorrência da pandemia [1].

Todavia, também resta cristalino que determinadas atividades vêm aumentando seus lucros com o momento vivenciado, como empresas dos ramos da saúde e das entregas. Sendo assim, conforme brilhantemente sugerido pelo professor Marcello Leal [2], em vez da criação de novos tributos, será que a inclusão de um novo adicional temporário do Imposto de Renda para empresas que operem no lucro real e que manifestarem riqueza no decorrer desse período não atenuaria a questão? Eis o debate.

Pois bem. Nessa hipótese, evidentemente não seriam atingidas as empresas que estão operando em prejuízo no período dessa pandemia, vez que estariam pagando por estimativa ou levantando balancetes de suspensão. Por outro lado, tal medida atingiria as empresas que operam no lucro real e que realmente estão manifestando riqueza no período da pandemia, atendendo ao princípio da capacidade contributiva e viabilizando a continuidade de outras empresas.

Fato é que uma crise econômica com elevados índices de fechamento de empresas e desemprego – o que naturalmente resultaria na diminuição do consumo e no funcionamento da economia como um todo – não é interessante para a maioria da população.

Utilizando um raciocínio similar, o governo chinês estabeleceu um tratamento diferenciado para todas empresas afetadas diretamente pela pandemia, buscando auxiliar principalmente pequenas empresas e atividades diretamente afetadas como o turismo [3]. Isto posto, se conceder benefícios aos maiores afetados é absolutamente natural, ao contrário, não resta controvérsia que tributar de forma adicional quem manifestar riqueza no período também seja.

Noutro giro, também é cristalino que essas empresas que melhoraram seus resultados no período também tiveram que realizar investimentos em sua estrutura para suportar um aumento substancial na demanda.  Desta forma, pondera-se que eventual adicional não poderia representar um confisco que inviabilize a operação delas, devendo ter caráter transitório no decurso da pandemia com escopo de preservar o interesse público e de atenuar os efeitos da crise econômica advinda da pandemia COVID-19.

Diante de todo o exposto, sendo claro que os gastos públicos estão aumentando substancialmente no momento, torna-se razoável estabelecer um novo adicional para empresas que realmente manifestem sua capacidade contributiva no período.

Guilherme Hilário Guilarducci
Advogado | E-mail: guilherme@advpg.com.br

REFERÊNCIAS

  1. Mathias Brotero, CNN, Brasília. Mais de 600 mil pequenas empresas fecharam as portas com coronavírus. Disponível na internet: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/04/09/mais-de-600-mil-pequenas-empresas-fecharam-as-portas-com-coronavirus – acesso em 01/05/2020.
  2. IBMEC, Cuidando da saúde fiscal das empresas: Direito Tributário em tempos de COVID-19. Disponível na internet: https://www.youtube.com/watch?v=DtBpNWjA_tQ&feature=youtu.be – acesso em 01/05/2020.
  3. KPMG, COVID-19: A resposta da China à pandemia. Disponível na internet: https://kpmgbrasil.com.br/news/6065/covid-19-a-resposta-da-china-a-pandemia – acesso em 01/05/2020.

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